Marcas Eternas: refletindo sobre o legado e o impacto do digital na Era da Memória Virtual.
Não fomos educados para conviver com a morte, e mesmo tendo consciência de que ela faz parte do ciclo da vida, tentamos ignorá-la ou até mesmo fugir de tudo que possa lembrá-la.
Há um movimento da nossa cultura de interditar e desqualificar qualquer fala e pensamento sobre morte e morrer. No entanto, sabemos que a morte faz parte do desenvolvimento humano e precisamos compreendê-la melhor.
Para refletir sobre o legado da vida e além.
Gostaríamos de deixar algumas reflexões, que para muitos podem parecer fora de propósito ou inoportunas, mas que para nós que lidamos com as famílias enlutadas fazem uma significativa diferença.
1 – Você já pensou em que gostaria de deixar como marca de sua vida?
2 – O que você gostaria que escrevessem em sua lápide?
3 – Por quais histórias, feitos e memória gostaria de ser lembrado?
4 – Seus amigos e familiares sabem do que você gosta? Se morresse hoje, como gostaria que fosse sua cerimônia e sepultamento?
5 – Gostaria de ser sepultado ou cremado? Já disse isso para alguém?
6 – Quais objetos que lhe são caros e de valor sentimental, você deixaria? Já pensou para quem gostaria de deixar?
7 – E seu patrimônio digital, plataformas como Instagram, Facebook, Twitter, LinkedIn,
TikTok, WhatsApp, quem deixaria como administrador? Que destino gostaria de dar a eles?
Teríamos muitas outras questões para levantar, mas para você que chegou até aqui, ficam as perguntas para responder individualmente e em seu tempo.
Só se lembrem que a vida é um intervalo entre duas datas: o seu nascimento e sua morte. O tema morte nos convida à reflexão sobre a vida e sobre o que temos feito com ela.
Ter consciência da nossa finitude e impermanência nessa vida é o que nos permite compreender o verdadeiro significado da vida. O que queremos é poder ajudá-lo quando você não estiver mais aqui fisicamente. Por isso, falamos nesse texto de legado.
Legado de vida: permanecendo vivo nas memórias afetivas.
Legado significa herança de cunho mais sentimental do que material, transmissão, patrimônio, testamento, o que é transmitido a outro, o que fica como lembrança, ou seja: uma vida que faça sentido, que tenha um significado e que possua uma direção.
Deveríamos ser lembrados pelas coisas que fizemos, de que gostávamos e até pelas coisas de que não gostávamos. Legado é aquilo que traduz quem foi a pessoa, como ela viveu e como ela gostaria de ser lembrada.
Dito de outra forma: legado é aquilo que se transmite dentro do coração de alguém. Por isso, ele é atemporal. Por isso, ele é a presença viva da ausência, é tudo aquilo que permanece e resiste ao tempo.
Um legado não precisa ser exuberante, ele só precisa representar quem nós fomos para as gerações que virão. Desta forma, estaremos eternamente vivos.
Mas precisamos “em vida” deixar isso transparente: não como marca de mortalidade, ao contrário, como marca de imortalidade.
Quando falamos de Airton Senna, somos automaticamente impulsionados a pensar na genialidade de sua carreira e na humildade de sua pessoa. Quando falamos de Gal Costa, ouvimos a sonoridade de sua voz.
Esses feitos são heranças que ambos deixaram por toda a vida e que não se apagarão jamais. Embora não sendo famosos, deixamos sempre legados.
Um apelido, uma comida de que gostávamos, um filme, uma expressão falada repetidas vezes, uma mania, enfim, seremos lembrados por algum feito.
Ana Bacalhau, cantora portuguesa, traz o seguinte refrão que define bem o que é legado: “Quem era, como era. Somos só memória à espera de não sermos esquecidos.”
Separe fotos, bilhetes, senhas de banco, documentos importantes e o que considerar relevante e armazene em uma caixa e avise alguém da existência dela.
Além de ajudar sua família em um momento difícil, você já estará contando do seu amor por eles.
Legado digital: preservando memórias e heranças virtuais.
Muitos estudos e pesquisas vêm sendo realizados nos últimos tempos acerca do legado digital, ou seja, com o advento da internet, mídias sociais e mensagens eletrônicas, a grande preocupação é como proteger, armazenar ou apagar esse acervo de informações que é patrimônio sentimental e pessoal da pessoa falecida e da família.
Nazaré P. Jacobucci* realizou um longo trabalho de pesquisa sobre plataformas digitais como Instagram, Twitter, Tik Tok, WhatsApp.
A discussão gira em torno das implicações éticas sobre o destino desse legado digital. Segundo ela, essa é uma polêmica discussão e pode gerar muitos conflitos familiares.
O sujeito da pós-modernidade está vivendo alguns dilemas, como por exemplo: que destino dar aos seus ativos digitais?
A literatura apresenta 4 opções diferentes de acordo com as intenções do sujeito ao seu legado digital, ou por alguém responsável para tal tarefa. São elas:
1 – Fechar as contas.
2 – Transformar em um memorial.
3 – Transferir as contas para outra pessoa.
4 – Ignorar.
Em outro artigo de blog publicado pelo Cerejeiras, intitulado “Luto nas redes sociais –Devo manter ou deletar o perfil do falecido?”, vários aspectos de como lidar com o luto nas redes sociais são abordados de forma prática, inclusive nas mídias sociais mais populares, como Facebook e Instagram.
Por fim e não menos importante, temos a exposição por terceiros de imagens não autorizadas pela família.
Nazaré P. Jacobucci* discute em sua pesquisa sobre o quão complexo e delicado pode ser expor a imagem ou o motivo da morte de alguém em sua mídia social, especialmente se você não é um familiar próximo da pessoa que morreu.
Essa atitude de compartilhar a morte em plataformas virtuais pode acarretar agravos no processo de luto do familiar que perdeu um ente querido.
É desse lugar de memórias e histórias que eternizamos nossos amores, justificando inclusive nossa saudade que tem nome e sobrenome.
Construindo um legado para a eternidade.
Refletir sobre a morte e o legado que deixamos é um exercício essencial para dar sentido à vida e compreender nossa finitude.
Enquanto a sociedade muitas vezes evita o assunto, enfrentá-lo nos permite compreender a importância de viver plenamente e construir um legado que reflita nossos valores e essência.
O legado vai além do material, é o que permanece no coração das pessoas, as lembranças, histórias e afetos que deixamos.
É importante pensar sobre como gostaríamos de ser lembrados e como podemos impactar positivamente a vida daqueles que nos cercam.
O mundo digital trouxe novos desafios para preservar esse legado, e é fundamental refletir sobre o destino de nossos ativos digitais.
A conscientização sobre a exposição das informações pessoais após a morte é crucial para evitar conflitos e preservar a memória do ente querido.
Ao encarar a temática do legado de forma aberta e responsável, podemos construir uma jornada significativa e perene, que transcende o tempo e nos mantém vivos nas lembranças e corações daqueles que tocamos com nossa existência.
Afinal, o que verdadeiramente importa é o impacto que causamos na vida das pessoas e o amor que deixamos como herança duradoura.
Este texto foi desenvolvido pelo Centro de Psicologia Maiêutica em colaboração com o Cerejeiras
* Jacobucci. A.N.P, Legado digital: conhecimento, decisão e significado – viver, morrer e enlutar-se na era digital. Ed Appris/2023.