O luto do homem existe e todos nós precisamos falar sobre ele. É certo que os homens vivem o luto de forma diferente das mulheres? As particularidades e dificuldades na forma de expressão do homem em luto reforçam a importância da discussão sobre o tema.
Como a educação da criança afeta a expressão dos sentimentos do homem?
Desde criança o menino é incentivado a demonstrar sua força e coragem e a esconder suas fragilidades. A frase “Homem que é homem não chora” evidencia uma cultura que educa os homens para se mostrarem fortes, provedores e protetores, o que gera para os homens dificuldades para expressar suas dores e sentimentos.
O homem habitualmente é destinado a ser uma figura de apoio prático, de ações racionais e resoluções. Quando alguém falece, é esperado que ele se encarregue de todas as tarefas de cunho prático ligadas à funerária, ao velório e ao sepultamento, fato que o distancia, ainda que temporariamente, do sofrimento.
A cultura e o difícil processo de luto para o homem.
Como resultado desta expectativa cultural, o luto masculino enfrenta algumas dificuldades e por muitas vezes é invalidado. Vale ressaltar que, ainda que os homens tenham formas diferentes de expressão, não implica que não sintam e não vivam o processo de luto.
O processo de luto é individual e acontece todas as vezes que rompemos um vínculo de forte ligação afetiva. Estudos mostram que não há uma forma única de passar pelo processo de luto e não existem etiquetas para atravessar este processo, a não ser fazendo o trabalho pessoal de reorganização psicológica e usando os recursos de expressão que cada um tem.
O luto do homem e as dificuldades no casamento.
Em nossa experiência nos atendimentos de pais que perderam filhos, percebemos que além de todo sofrimento que cada um carrega, existe uma expectativa (geralmente da mulher) de que o homem sinta e se expresse como ela. O homem, por sua vez, também costuma sentir dificuldades em lidar com a intensa expressão de sentimentos da esposa. Este desencontro na forma de expressar o sofrimento, sem dúvida, passa a ser mais um fator de dor para ambos e, por vezes, a causa de mais um luto: a separação do casal.
Negar o luto do homem é extremamente prejudicial
Os homens não sofrem menos do que as mulheres. Os homens se enlutam pela perda, mas costumam esconder seus sentimentos, dando a impressão de não estarem sofrendo. Separamos alguns pontos importantes para refletir a respeito deste comportamento:
Onde estão as redes de apoio para homens enlutados?
Há pouco espaço destinado para o homem falar e expressar seus sentimentos e sua dor, o que torna sua caminhada no luto ainda mais dura e com menos acolhimento, complicando assim, o enfrentamento e o seu processo de reconstrução.
Luto não reconhecido.
O luto do homem é considerado por alguns estudiosos como um luto não reconhecido. No livro “Grief Is a Journey”, o autor Kenneth J. Doka, autor de dezenas de livros, se propõe a reverter as ideias críticas sobre luto e substituí-las por uma abordagem esperançosa, inclusiva, personalizada e baseada em pesquisas. Segundo Doka, lutos não reconhecidos são aqueles que não são autorizados pelo social.
Sentimentos guardados geram hábitos autodestrutivos.
Sob pressão social e cultural de se manterem fortes e inabaláveis, os homens podem buscar estratégias não saudáveis de evitação da dor, como o abuso do álcool e drogas, que acabam “anestesiando” temporariamente.
Dores emocionais se tornam físicas.
Sem acolhimento para demonstração de sua tristeza e fragilidades, os homens podem sofrer os impactos da tristeza em seu próprio corpo, somatizando as dores emocionais por não as expressar.
São diversas as maneiras de lidar com o luto.
Não há maneira certa ou errada de vivenciar o luto. Não chorar e não prantear não significa que eles não vivenciem o luto, apenas o fazem de uma outra forma. O choro não é a única forma de demonstrar a tristeza. Muitos homens demonstram suas dificuldades com a perda usando estratégias mais voltadas para a ação, como dedicar-se intensamente ao trabalho, atividades esportivas e outras. Precisamos criar espaços para que o sofrimento masculino possa se expressar da forma que ele é, não importa como.
Somos únicos: cada luto e cada ser humano é um universo particular.
O luto é uma travessia e cada um passa por ela de uma forma, com uma velocidade, por um caminho e através de estratégias diferentes. Cada pessoa é única e particular e lida com suas dores de maneiras diferentes. Ninguém é mais fraco por chorar ou mais forte por engolir o nó angustiante da garganta. O importante da travessia do luto é que todos possam se sentir acolhidos, amados e respeitados para conseguir finalizar este caminho.
Expressar os sentimentos é também dividir a carga e a dor da travessia do luto com quem está ao nosso lado. Não compartilhar seus sentimentos gera uma sobrecarga que torna o caminho mais perigoso, denso e triste.
Projeto social de acolhimento a homens enlutados.
Se você tem algum amigo que está passando por este processo e está com dificuldades de encontrar acolhimento, indicamos o projeto social “Luto do Homem”, supervisionado pela Fundação Elisabeth Kübler-Ross Brasil, que disponibiliza acolhimento a homens enlutados.
Que todos possamos acolher e ser acolhidos em nossas dores com a mesma liberdade que compartilhamos nossas alegrias e conquistas.
Este texto foi desenvolvido pelo Centro de Psicologia Maiêutica em colaboração com o Grupo Cerejeiras