No livro “Amor e Perda”, Colin Parkes afirma que amor e luto são faces da mesma moeda. Ou seja, não é possível sentir amor sem correr o risco de perder o objeto amado.
Portanto, para compreender o luto, é essencial entender a natureza e os padrões do amor.
Amor e luto.
Se o amor – laço psicológico que vincula uma pessoa a outra – é a fonte de prazer mais profunda da vida, a perda daqueles que amamos é sua fonte de dor mais intensa. Administrar o amor demanda cuidados, mas seu resultado final é sempre gratificante.
Por outro lado, como lidar com a dor de perder um ente querido ou enfrentar o rompimento de um laço afetivo intenso? Nossa experiência com famílias enlutadas tem nos mostrado o quão complexa e desorganizadora é essa vivência.
Não há um conjunto de regras fixas que determinem como proceder. O luto é um processo individual, de duração indefinida e com manifestações extremamente diversas. A ideia de que o luto segue fases predefinidas, como se acreditava no passado, não se sustenta mais nos estudos e experiências atuais.
Sabemos que muitas mudanças acontecem tanto no mundo interno quanto no externo. A construção de uma nova identidade, sem a presença da pessoa amada, requer um tempo psicológico que difere completamente do tempo cronológico.
Trabalho de luto.
Freud, em sua obra “Luto e Melancolia”, cunhou o termo “trabalho de luto”, compreendendo que o luto exige uma elaboração psicológica e um longo processo de reorganização.
O início desse trabalho ocorre no momento em que a pessoa entra em contato com a realidade da perda, seja ao receber a notícia da morte, seja com a preparação da cerimônia de velório e sepultamento.
O contato com o corpo, o sentimento de ausência e a irreversibilidade da morte marcam o começo desse processo.
Esse aspecto explica por que mortes sem corpos ou sem rituais de despedida tendem a gerar lutos mais complexos.
Desafios e tarefas do luto.
O luto impõe desafios individuais, pois está diretamente relacionado à história de cada pessoa. No entanto, J. William Worden, autor de “Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto”, identifica desafios gerais presentes em toda perda significativa.
Toda perda envolve aceitação, vivência dos sentimentos e reestruturação da vida.
As quatro tarefas do luto delineadas por Worden são:
1 - Aceitar a realidade da perda.
O primeiro desafio é aceitar a nova realidade imposta pela ausência da pessoa falecida. Esse processo pode gerar um grande conflito entre o real e o imaginário. É comum que alguns enlutados imaginem que o falecido está viajando ou continuem se referindo a ele no presente.
A “procura” – a busca por objetos, cheiros, roupas ou outros vestígios da pessoa amada – é uma tentativa inconsciente de adiar a aceitação da realidade. Embora esse mecanismo traga um conforto temporário, apenas posterga o enfrentamento do luto, que será inevitável.
2 - Expressar a dor.
Junto à constatação da perda, surge outro desafio essencial: expressar a dor.
Enfrentar o luto exige canais de expressão, que nem sempre são utilizados pelo enlutado. Sentimentos como tristeza, raiva e culpa podem coexistir, e é fundamental permitir-se senti-los e partilhá-los como parte do processo.
Estudos científicos apontam para os impactos físicos e mentais da repressão emocional. Emoções não expressas podem contribuir para adoecimentos, como a depressão.
3 – Reorganizar-se: ajustar-se ao mundo sem a pessoa falecida.
O enlutado precisa se adaptar ao novo mundo e se reorganizar emocionalmente para seguir sua vida, agora sem a pessoa amada.
Essa tarefa envolve encontrar um novo espaço interno para o falecido. Muitos ajustes são necessários: os externos, que dependem dos papéis e das interações que existiam com a pessoa falecida, e os internos, relacionados à autoestima e às novas rotinas.
4 - Encontrar um lugar para a pessoa falecida na esfera emocional.
O quarto desafio corresponde ao encerramento do processo de luto.
Nessa etapa, a pessoa enlutada encontra um espaço interno para a memória do falecido, permitindo-se manter a conexão sem impedir sua própria continuidade na vida.
Isso abre caminho para novas experiências e vínculos, como netos, novos amigos e novos interesses. Manter essa ligação significa preservar boas memórias sem competição: o novo não substitui o antigo, e seguir em frente não significa esquecer.
Nunca é fácil.
Lidar com perdas e atravessar o luto nunca é simples.
Mesmo sabendo que a morte faz parte do ciclo da vida, evitamos integrar essa realidade aos nossos vínculos e relações amorosas. Por isso, somos tomados por tanto sofrimento quando a natureza nos lembra que fazemos parte dela.
Dizemos que o momento de equilíbrio suportável ocorre quando o enlutado passa a não morrer de saudade, mas a viver a saudade.
Este texto foi desenvolvido pelo Centro de Psicologia Maiêutica em colaboração com o Cerejeiras