O nome Guarapiranga tem origem tupi-guarani, formado pela junção de “guará” (ave, especialmente o guará-vermelho) e “piranga” (vermelho). Portanto, Guarapiranga significa “ave vermelha”, uma possível referência às aves que habitavam a região.
Antes da construção da represa, a área que hoje abriga o reservatório era formada por várzeas, pequenos cursos d’água e extensas áreas de mata atlântica preservada.
O principal curso d’água da região era o rio Guarapiranga, um afluente do rio Pinheiros, além de córregos menores que serpenteavam pela bacia hidrográfica.
O território, formado por terras de baixa declividade e áreas alagadiças, era ocupado por comunidades indígenas, pequenos agricultores e algumas propriedades rurais que produziam alimentos para abastecer o crescente núcleo urbano de São Paulo.
Com o processo de urbanização de São Paulo no final do século XIX e início do século XX, a necessidade de controle hídrico e de fornecimento de energia elétrica se tornou uma prioridade. Foi nesse contexto que a ideia de construir uma represa na região começou a tomar forma.
Construção da Represa de Guarapiranga.
A Represa de Guarapiranga começou a ser construída em 1906 pela empresa The São Paulo Tramway, Light and Power Company, mais conhecida como Light, à época responsável pela produção e distribuição de energia elétrica e pelo transporte urbano da cidade.
Originalmente, seu objetivo principal não era o abastecimento de água potável, mas sim a regulação do fluxo das águas do rio Tietê, fundamental para a geração de energia nas usinas hidrelétricas da Light. A Guarapiranga atuava como uma espécie de reservatório de compensação, liberando ou retendo água conforme as necessidades de operação das turbinas da usina de Parnaíba, atual usina Edgard de Souza, em Santana do Parnaíba.
Para viabilizar a obra, extensas áreas foram desapropriadas, incluindo chácaras, fazendas e pequenas propriedades rurais. Na época, a região era pouco povoada, com ocupação dispersa e economia baseada principalmente na agricultura de subsistência.
A construção da barragem e do reservatório formou um lago artificial com capacidade para armazenar milhões de metros cúbicos de água, alterando de forma drástica a paisagem local e inaugurando uma nova era para o desenvolvimento da região sul de São Paulo.
Desenvolvimento de bairros na região: Interlagos, Veleiros e Riviera Paulista.
A presença da represa e a beleza cênica de suas margens começaram a atrair, nas décadas seguintes, investidores e empreendedores interessados em transformar a área em espaço de lazer e moradia.
Nas décadas de 1920 e 1930, a região passou a ser valorizada para loteamentos residenciais e veraneio. Um dos exemplos mais icônicos desse processo foi a criação do bairro de Interlagos, projetado com inspiração em empreendimentos semelhantes na Europa e nos Estados Unidos. O plano de Interlagos previa ruas arborizadas, terrenos amplos e proximidade com a represa para lazer náutico e esportes aquáticos.
Ao longo do século XX, outros bairros surgiram ou se consolidaram, como Veleiros e Riviera Paulista, todos associados à paisagem da represa e voltados para moradores de classe média e alta.
Esse desenvolvimento inicial, marcado por projetos urbanísticos organizados, contrastaria com o crescimento desordenado que viria a seguir, especialmente a partir dos anos 1970.
Clubes de campo e de iatismo.
A Guarapiranga também se consolidou como um importante pólo de lazer e esportes náuticos em São Paulo.
Clubes de campo e de iatismo começaram a ser fundados nas margens da represa, atraindo paulistanos em busca de contato com a natureza e opções de lazer ao ar livre.
Entre os clubes mais tradicionais estão o São Paulo Yacht Club (fundado em 1917), o Yacht Club Paulista, o Clube de Campo Castelo e o Clube de Campo de São Paulo, que até hoje oferecem uma ampla infraestrutura para prática de esportes aquáticos, como vela, remo e canoagem, além de atividades sociais e culturais.
A Guarapiranga se tornou, assim, um destino privilegiado para passeios de fim de semana e férias, com áreas para pesca, trilhas e atividades aquáticas, consolidando sua vocação para o turismo e o lazer.
Grandes iatistas brasileiros: das águas da Guarapiranga para o mundo.
Muitos iatistas de destaque iniciaram suas carreiras ou tiveram forte ligação com os clubes e escolas de vela da região.
Robert Sheidt, nascido em 1973, começou a velejar ainda criança, aos 9 anos, no Yacht Club Santo Amaro (YCSA), um dos clubes náuticos mais tradicionais da Guarapiranga. Ao longo de sua carreira, acumulou cinco medalhas olímpicas (duas de ouro, duas de prata e uma de bronze), além de onze títulos mundiais nas classes Laser e Star, consolidando-se como o velejador brasileiro mais vitorioso de todos os tempos.
Os irmãos Lars Grael (duas medalhas olímpicas de bronze) e Torben Grael (cinco medalhas olímpicas, das quais duas de ouro), embora tenham se projetado principalmente em Niterói (RJ) e em outras localidades litorâneas, começaram suas trajetórias na vela em São Paulo, treinando em clubes de vela na Represa de Guarapiranga.
Crescimento desordenado da cidade.
Em contraste com o desenvolvimento das décadas iniciais, com bairros planejados e clubes sofisticados, o entorno da Guarapiranga sofreu, a partir dos anos 1970, um intenso e desordenado crescimento urbano, impulsionado pela expansão periférica de São Paulo.
Com a pressão do crescimento populacional da cidade, que passa de 2,2 milhões de habitantes em 1950 para 8,6 milhões em 1980, a represa passou a ser cercada por ocupações irregulares e loteamentos clandestinos, sem infraestrutura básica adequada, como saneamento e coleta de lixo. Esse processo de ocupação irregular provocou graves impactos ambientais, como o despejo de esgoto in natura, a contaminação das águas e o assoreamento do reservatório.
A degradação da qualidade da água e da paisagem refletiu diretamente na redução da atratividade da represa como espaço de lazer, enquanto crescia sua importância como manancial de abastecimento de água para a cidade.
Importância da represa como manancial.
A partir de 1927, a Represa de Guarapiranga foi incorporada ao sistema de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo.
Hoje, a represa responde por cerca de 20% da água consumida na cidade, atendendo milhões de habitantes. Entretanto, a poluição e a ocupação desordenada impactaram significativamente a capacidade de armazenamento e a qualidade da água, reduzindo a cota operacional da represa.
Programa Mananciais: uma estratégia para proteger a Guarapiranga e garantir o abastecimento de São Paulo.
O Programa Mananciais foi estruturado no final da década de 1990 e início dos anos 2000 como uma resposta integrada ao grave quadro de ocupações irregulares, falta de saneamento e poluição que ameaçava os reservatórios de Guarapiranga e Billings.
Sua proposta é atuar em várias frentes, incluindo a urbanização e regularização de assentamentos informais em áreas de manancial, com a expansão da coleta e tratamento de esgoto, e a desocupação de áreas de risco e preservação ambiental, com a remoção de famílias de áreas de preservação permanente e a recuperação de matas ciliares.
Incentiva também a criação de parques e áreas de lazer nas margens da represa, funcionando como zonas-tampão entre as áreas urbanas e o corpo hídrico.
Atualmente, o Programa Mananciais continua sendo um dos pilares da política ambiental e urbana da Região Metropolitana de São Paulo, mas enfrenta o desafio de conciliar preservação ambiental, inclusão social e abastecimento de água em um contexto de consolidação urbana na região.
Novas vocações para a Guarapiranga.
Nas últimas décadas, apesar da intensa urbanização e da pressão sobre o meio ambiente, a região da Guarapiranga também recebeu iniciativas e empreendimentos voltados para a valorização ambiental, cultural e espiritual, criando novos marcos que atraem tanto visitantes quanto moradores locais.
Parque Ecológico do Guarapiranga.
Inaugurado em 1999, o Parque Ecológico do Guarapiranga representa uma das mais importantes iniciativas públicas para preservar e promover o uso sustentável das margens da represa.
Com pouco mais de 250 mil metros quadrados, o parque oferece trilhas ecológicas, áreas para piquenique, ciclovias e espaços para educação ambiental, buscando aproximar a população do ambiente natural da Guarapiranga.
Solo Sagrado de Guarapiranga.
Outro destaque da região é o Solo Sagrado de Guarapiranga, inaugurado em 1995 e mantido pela Igreja Messiânica Mundial do Brasil. Instalado em uma área de aproximadamente 327 mil metros quadrados às margens da represa, o Solo Sagrado é um espaço de contemplação, meditação e espiritualidade, aberto ao público e conhecido por seus belos jardins e arquitetura harmoniosa, inspirada em princípios japoneses.
Templo Odsal Ling.
Localizado próximo à Represa de Guarapiranga, o Templo Odsal Ling é um dos principais centros de budismo tibetano no Brasil. Fundado na década de 1990, o templo pertence à linhagem Nyingma do budismo Vajrayana e tem como objetivo disseminar os ensinamentos de Buda e proporcionar um ambiente de contemplação, estudo e prática espiritual.
Memorial Parque das Cerejeiras.
O cemitério Memorial Parque das Cerejeiras foi fundado em 1993, com o objetivo de oferecer um local de acolhimento no momento da dor. O Cerejeiras tornou-se uma referência como espaço de preservação da memória, investindo em arte, arquitetura e sustentabilidade. Metade de sua área de 300.000 m2 é dedicada à preservação ambiental.