Luto não reconhecido e diferentes tipos de luto.

O luto é inevitável pois a morte sempre será um evento humano e dificilmente estaremos preparados para lidar com ela e com suas intercorrências. O processo de luto está relacionado à experiência de perda (rompimento) de algo ou alguém com o qual se tem importante laço afetivo. Somos os únicos seres vivos que sabemos da nossa finitude.

O que os especialistas dizem sobre o luto?

Segundo Bowlby (1900) o processo de luto implica em duas mudanças psicológicas: 

  • Reconhecer e aceitar a realidade;
  • Experimentar e lidar com as emoções que estão em torno da perda. 

Contudo, é sabido que o luto não é só por morte física. Qualquer perda significativa e de grande vínculo emocional leva a um estado de luto.

O Dr. K. J. Doka (1989/2002) descreve um luto pouco estudado: o luto não reconhecido. Para ele, a definição de luto não reconhecido fala de uma perda não validada e que não pode ser aceita socialmente, abertamente reconhecida ou ter seu luto vivido publicamente. 

Luto não é apenas morte física: os diferentes processos de luto.

Além da morte física de um ente querido, temos inúmeras outras ocasiões de perdas/luto. São muitas situações em que o enlutado não é acolhido e validado como vivendo um rompimento afetivo e um processo de luto. 

Podemos destacar alguns grupos que enfrentam a falta de reconhecimento como pessoas que vivem o luto.  

Amigos, ex-cônjuge, amantes, parceiros homossexuais, filhos adotivos, animais de estimação. Este grupo tem em comum o fato do relacionamento (vínculo) não ser socialmente reconhecido, ou seja, a relação do enlutado com a pessoa perdida não é considerada como uma relação de forte vínculo afetivo por não ser baseada em relacionamento de parentes ou ligado à família no sentido tradicional.   

Aborto, perdas perinatais, neonatais, abandono, adoecimento, incapacidade física, aposentadoria, perda de emprego, término de vínculo (namoro, amizade, casamento etc.) mudança de país, mutilação, amputação. Por não se tratar de perdas tão concretas ou definitivas como a morte, essas experiências de perdas podem não ser consideradas socialmente significativas.

Luto por suicídio enfrenta barreiras na própria sociedade.

O luto por suicídio também é considerado por vários estudiosos como não reconhecido.  Apesar da morte física, ele é estigmatizado e marginalizado pelo social, o que acaba por dificultar o enfrentamento do luto da família que já tem um universo de perguntas, culpas e muitos problemas para resolver. 

Toda sociedade tem suas regras e rituais que regem e endossam o comportamento do enlutado e seus sentimentos dando a ele o status social de pessoa em luto.  

Lutos não reconhecidos são, portanto, perdas que ocorrem ao longo da vida e não têm espaço para que sejam elaboradas. Muitas vezes nem a própria pessoa que sofre a perda se permite vivenciá-la.

Processo de luto durante a pandemia sem os rituais de despedida.

Durante a pandemia acompanhamos muitos lutos não reconhecidos. A pandemia nos convoca a pensar em muitas perdas (simbólicas) e nos aproxima da morte física e de outras regras para enlutar-se (sem rituais) no novo contexto.

Protocolos de distanciamento, interrupção dos rituais de velório e sepultamento e impossibilidade de se despedir são fatores que tornam o luto não reconhecido, muitas vezes, um luto complicado que culmina em uma série de impactos para saúde física e mental, tais como: tristeza permanente, depressão, fadiga, ansiedade, insônia, irritabilidade/solidão entre outras manifestações. 

Considerações e dicas para enfrentar o processo de luto.

Você que está vivendo um luto neste momento precisa ter atenção em algumas situações: 

1 – Viver o luto é importante. Se os rituais que são “start” para esse processo não puderem ser realizados, façam alguma homenagem junto à família e amigos para permitir a concretude do fato. 

2 – Busque espaços e pessoas que possam validar seu luto sem julgamentos. 

3 – Busque grupos de apoio ao luto que lhe permitam se identificar como indivíduo que está em luto e compartilhar sua dor.

4 – Os grupos de apoio ao luto têm sido um rico canal de trocas e possibilidades seguras de expressões de emoções e de legitimar suas reações de luto.

5 – Escutar as experiências vividas por outros enlutados ajudará a organizar suas emoções e sentimentos. 

E, por fim, busque a intervenção terapêutica individual se não encontrar uma rede de suporte na família. Um dos propósitos da terapia de luto é acolher e promover uma conversa em que tudo aquilo que não foi autorizado, possa ser legitimado pelo terapeuta. 

Como afirma Casellato (2015), ao aceitar o luto do paciente, o terapeuta empaticamente encoraja e permite que ele consiga reconhecer e expressar seus sentimentos.      

Este texto foi desenvolvido pelo Centro de Psicologia Maiêutica em colaboração com o Grupo Cerejeiras

Rodrigo Rodrigues

Psicólogo formado pela USP - São Paulo, especializado em atendimento de suporte a pessoas em luto.

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