luto

As difíceis tarefas do luto

Foi lançado recentemente um importante livro no campo da Tanatologia, área de estudo científico sobre a morte. 

“Amor e Perda: as raízes do luto e suas complicações” é uma obra de Colin Murray Parkes, conceituado pesquisador da área, cujas contribuições são de inestimável valor para os profissionais que lidam direta ou indiretamente com os temas de luto e perdas. 

Na introdução, Colin nos lembra que, se o amor, laço psicológico que vincula uma pessoa a outra, é a fonte de prazer mais profunda na vida, a perda daqueles que amamos é a mais profunda fonte de dor. 

Administrar o amor parece tarefa fácil, mas como dar conta da dor de um rompimento amoroso, de um laço afetivo intenso

Nossa experiência com famílias enlutadas tem nos ajudado a compreender quão complexa e desorganizadora é essa vivência. Não há um conjunto de regras que possa sinalizar os procedimentos a serem tomados, já que o luto é um processo individual, de tempo indefinido e com manifestações das mais diversas possíveis. 

O que é sabido, contudo, é que muitas mudanças acontecem do lado de dentro e do lado de fora de cada um. A construção de uma nova identidade, sem a presença da pessoa amada, vai demandar um tempo psicológico que é muito diferente em seu mecanismo interno do tempo cronológico do relógio.   

O próprio Freud, em sua obra “Luto e Melancolia”, cunhou o termo “trabalho de luto”, entendendo que essa vivência requer uma elaboração psicológica e um longo processo de reorganização.  

O “start” desse processo se dá no contato da pessoa com a realidade da perda, ou seja, com a notícia da morte, com a preparação da cerimônia de velório e sepultamento. No contato com o corpo, com o sentimento de ausência e de irreversibilidade da morte, o enlutado começa o seu trabalho de luto. 

Aceitando a realidade da morte.

A tarefa inicial é aceitar a realidade da perda. Enfrentar essa ideia exigirá uma luta grande entre o real e o imaginário. 

Pode acontecer de alguns enlutados ficarem fixados na ideia de que o falecido está apenas viajando. É igualmente frequente ouvir os familiares se referirem a ele usando o tempo presente em vez do pretérito, assim como a procura por seus objetos, cheiros, fios de cabelo ou última roupa usada. 

Sabemos que esses mecanismos trazem um conforto psicológico temporário, mas só postergam a aceitação da realidade, que será inevitável em algum momento.

Aceitar a realidade da morte de um ente querido é crucial para o processo de luto e para a recuperação emocional. Essa aceitação permite que o enlutado comece a confrontar e processar a dor, ao invés de permanecer em negação, o que pode prolongar o sofrimento e dificultar a cura. 

Reconhecer a perda é o primeiro passo para integrar a experiência na própria vida e encontrar um novo sentido sem a presença física do ente querido.

Além disso, essa aceitação ajuda a pessoa a adaptar-se às mudanças, a redefinir suas rotinas e a construir uma nova rotina. Também facilita o recebimento de apoio emocional e prático de outras pessoas, permitindo que a dor seja compartilhada e aliviada. 

Em última análise, aceitar a realidade da morte é fundamental para honrar a memória daquele que partiu, encontrar a paz interior e seguir adiante com a própria vida.

A necessidade de expressar a dor.

Aliada a essa difícil constatação da perda e da ausência, outro trabalho se faz necessário: o exercício de expressão da dor. 

Enfrentar esses momentos exige canais de expressão que nem sempre são utilizados pelo enlutado. Estudos científicos apontam para o grande ônus físico e mental de reter e conter sentimentos. Mais especificamente, na área da psicologia, é sabido que sentimentos que não têm expressão tornam-se fermento para a depressão.

Assim, é importante que o enlutado encontre um modo de manifestar suas emoções, a fim de ajudá-lo na ressignificação dos seus sentimentos. Isso pode ser feito de diversas formas, como em conversas com amigos e familiares, participando de grupos de apoio ao luto, ou até mesmo se engajando em atividades criativas como a escrita, a arte ou a música. 

Expressar os sentimentos de maneira saudável permite que o enlutado libere a dor acumulada e comece a entendê-los melhor, além de se reorganizar nessa nova etapa de sua vida. 

O papel fundamental da reorganização no processo de luto.

Por fim, o enlutado é impelido a ajustar-se ao novo meio ambiente, a se reorganizar emocionalmente e continuar sua vida, agora sem a pessoa que amou – tarefa de grande monta que implica em encontrar outro lugar simbólico para a pessoa falecida. 

Dizemos que o momento de um equilíbrio suportável é quando o enlutado passa a não morrer de saudade, mas a viver a saudade

Como vimos acima, o início do processo de luto se dá com a notícia da morte, com a preparação da cerimônia de velório, do sepultamento ou cremação, e com o contato com o corpo. 

À medida que o tempo passa, é importante começar a redefinir as rotinas diárias. Manter-se ocupado com atividades cotidianas e novos hobbies pode ajudar a preencher o vazio deixado pela perda. 

Não é necessário dar um passo grande logo de início: pequenas metas diárias são o suficiente para ir se reorganizando durante esse processo.

Encontrar maneiras de homenagear a memória do ente querido, como criar um memorial ou dedicar tempo a uma causa que era importante para ele, também pode proporcionar um sentido de continuidade e propósito.

Não parece nada fácil lidar com as perdas e viver um luto. Mesmo sabendo que a morte faz parte do ciclo da vida, insistimos em não arquivar essa verdade em nossos vínculos e em nossas relações amorosas. 

Por isso, somos tomados por tanto sofrimento quando a natureza nos lembra que somos parte dela. 

Este texto foi desenvolvido pelo Centro de Psicologia Maiêutica em colaboração com o Cerejeiras

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Vamos conversar sobre a relação entre o luto e a espiritualidade? 

O luto é uma experiência que afeta a vida de todas as pessoas, mas sempre de diferentes formas. Ele é individual: não há regras ou receitas de como ressignificar a vida de quem fica depois da morte de alguém com quem se vinculou e amou. 

Quando a palavra luto é pronunciada, ela não aparece sozinha. Junto, vêm palavras como dor, saudade, solidão, tempo e medo. Nesse contexto, a espiritualidade pode servir como uma âncora, oferecendo consolo e um sentido de propósito. 

Ela também ajuda a redefinir a relação com o tempo, ensinando a paciência e a aceitação do processo de cura

Dessa forma, durante a jornada do luto, a dimensão espiritual precisa ser considerada, uma vez que ela pode colaborar para que o enlutado aceite a realidade do luto e possa buscar novos sentidos para sua vida.

Há diferença entre religiosidade e espiritualidade?

Já respondendo à pergunta: sim, há diferença. Podemos encontrar pessoas que cultivam a espiritualidade, mas não professam uma religião.

A religiosidade está frequentemente associada a instituições organizadas e a templos, como igrejas, sinagogas, mesquitas e outros locais de culto. Essas instituições possuem doutrinas, regras e práticas estabelecidas que os seguidores são incentivados a aderir. A religiosidade inclui rituais e cerimônias específicos que reforçam a tradição e promovem um senso de comunidade e pertencimento entre os seus membros. 

Além disso, a religiosidade baseia-se geralmente em textos sagrados, lideranças religiosas e um sistema de crenças que guiam a prática e a fé dos indivíduos, valorizando a continuidade das tradições e costumes da religião.

Por outro lado, a espiritualidade é um conceito amplo e variável, que muitas vezes evoca uma experiência interior, focando mais na experiência individual e na busca pessoal de significado, propósito e conexão com algo maior que si mesmo. 

É uma abordagem mais flexível, aberta a interpretações pessoais e menos estruturada em comparação com a religiosidade. 

A espiritualidade enfatiza a autenticidade e a autodescoberta, permitindo que cada pessoa explore sua própria jornada espiritual sem necessariamente seguir doutrinas estabelecidas ou práticas formais. 

Em essência, enquanto a religiosidade é mais sobre a prática coletiva e a adesão a um conjunto de crenças organizadas, a espiritualidade se volta à experiência interna e pessoal de cada indivíduo em sua busca por entendimento e conexão espiritual. 

A dor da perda pode levar à busca pela espiritualidade.

A espiritualidade costuma ter um papel muito importante no processo de luto. Diante da perda de alguém amado, o mundo que antes se conhecia passa a parecer um lugar diferente, estranho e difícil de estar. 

A frase do professor doutor Kenneth J. Doka resume bem essa situação: 

Todos nós temos crenças que nos dão alguma sensação de segurança – que dão sentido ao mundo e oferecem um código para a vida, sejam quais forem as raízes. Às vezes, uma perda desafia profundamente essas noções.” 

A confiança na vida e em tudo que era considerado como seguro pode sofrer alterações e gerar um sentimento de desconexão com muitas coisas que sustentavam as crenças e valores pessoais. Sentimentos ambivalentes e antagônicos são esperados e, nesse momento, o enlutado precisa ressignificar a vida, encontrar novas formas de compreendê-la, bem como a si mesmo e às pessoas ao seu redor.

A espiritualidade, nesse contexto, pode oferecer um caminho para encontrar significado e paz interior diante da tragédia, promovendo uma reconexão com o que se considera sagrado ou transcendente. 

Ao mesmo tempo, essa dor pode estimular uma transformação pessoal, incentivando a reflexão sobre a natureza da existência, o propósito da vida e o valor das relações humanas. 

Em suma, a perda de um ente querido não só desafia a estabilidade emocional, mas também desencadeia um profundo processo de busca espiritual e autoconhecimento.

A espiritualidade ajuda a responder perguntas que vem à tona durante o processo de luto.

Quem passa por um processo de luto costuma suscitar diversas perguntas sobre o que aconteceu e sobre o que pode acontecer dali para frente. É neste contexto que muitas pessoas podem se aproximar do seu eu espiritual em busca de respostas, para se reorganizarem e continuarem dando sentido a sua vida. 

Assim, para muitos, a espiritualidade proporciona conforto ao sugerir que há um propósito maior ou uma razão divina por trás dos eventos difíceis da vida. A crença em uma força superior ou em um plano espiritual pode ajudar a contextualizar a perda dentro de um quadro mais amplo de significado e continuidade.

Para aqueles que não são adeptos a nenhuma religião ou não tenham crenças em um ser maior, uma divindade, a espiritualidade também pode ajudar. Ela incentiva uma introspecção profunda e pessoal, levando os enlutados a refletirem sobre suas próprias vidas e suas conexões com o mundo ao seu redor. 

A pergunta "E daqui para frente?" pode ser particularmente poderosa, motivando uma reavaliação dos valores, prioridades e objetivos de vida. 

Através de práticas espirituais como a meditação, recitação de mantras ou o estudo de textos sobre o tema, os indivíduos podem encontrar caminhos para a cura e a renovação. A espiritualidade não apenas oferece respostas, mas também fortalece a resiliência e a capacidade de encontrar um novo sentido e propósito após a perda.

6 dicas que quem está enfrentando um luto deve se lembrar.

Não existe um protocolo de comportamentos para que todos passem pelo luto do mesmo jeito. 

Contudo, há seis dicas que podem ajudar a atravessar esse momento de uma forma mais leve e menos aflitiva: 

  1. Não se assuste se seus referenciais de crenças mudarem. O luto desorganiza nossas ideias.
  2. Fique perto de pessoas que te acolham e que possam te ouvir sem julgamentos, exercendo a prática da empatia.
  3. Procure realizar atividades que te ofereçam propósito e que te farão se sentir melhor.
  4. Respeite o que está sentindo. Provavelmente, você terá sensações ambíguas e ambivalentes por um bom tempo.
  5. Se estiver em um dia ruim e doloroso, tudo bem. Aceite como algo que faz parte do processo.
  6. Caso se sinta feliz em algum momento, não se culpe ou martirize. Você está vivo e se a pessoa que faleceu pudesse te dizer algo, por certo diria: fique bem, você pode ser feliz de novo.

Grupo de Apoio ao Luto no Memorial Parque das Cerejeiras.

No Cerejeiras, nos preocupamos em acolher as famílias enlutadas e oferecer a elas um pouco de conforto nesse momento. Por isso, proporcionamos ao longo do ano e de forma gratuita os Grupos de Apoio ao Luto.

São encontros cujo objetivo é amparar aqueles que perderam um ente querido, por meio da troca de experiências e do suporte profissional de psicólogos do luto convidados. Para mais informações, converse com nossos especialistas pelo telefone (11) 4040-5767.

Este texto foi desenvolvido pelo Centro de Psicologia Maiêutica em colaboração com o Cerejeiras

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