Infância e Luto são palavras que parecem não combinar. A palavra infância carrega significados de alegria, ganhos, evolução, investimento, inocência, pureza etc. Como então permitir a experiência da tristeza, frustração, perdas e sofrimento nessa etapa da vida? Como contar à criança que alguém que ela ama morreu? Como conversar de morte e finitude com a criança? Como protegê-la do sofrimento?
No livro “A criança diante da morte: desafios” (1999), Wilma da Costa Torres busca compreender as intercorrências para melhor intervir no luto infantil reunindo inúmeras indagações de estudiosos acerca do tema, como por exemplo: Quando começa o processo de descoberta da morte pela criança? Como a criança lida com a morte em suas diferentes fases do desenvolvimento? Como as experiências da criança com a morte interferem em seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e na formação de sua personalidade?
Luto na infância e a finitude da vida.
Todos nós vamos morrer e esse evento é tão natural como nascer, crescer, estudar, trabalhar e ter filhos. No entanto, a ideia de finitude produz medo e terror. Como se fosse uma certeza plena e, ao mesmo tempo, um mistério incompreensível, vamos lidando com o tema “morte” como um tabu e nos recusando a pensar nela.
Inevitavelmente, um dia a morte acontece com pessoas próximas às crianças e, neste momento, o adulto é convocado a lidar com a difícil equação “morte vs. infância”. Muitas dúvidas surgem: “Devo falar sobre a morte para a criança”? “Como ela entenderá a morte”? “Devo trazê-la ao velório”? “Será bom que me veja chorando”?
Se fosse possível, evitaríamos que as crianças passassem por este momento, mas não podemos poupá-las.
Como falar sobre luto e morte para a criança?
Embora pareça um tema pesado e doloroso, a morte também é assunto de criança. Falar sobre a morte é importante e saudável para ajudá-la a lidar com o sofrimento.
As crianças são como “antenas parabólicas”, que captam o que acontece ao seu redor de diversas formas. Também vão além, pensam e constroem hipóteses sobre o que observam porque estão abertas a aprender sobre o mundo e querem compreendê-lo.
O luto infantil é diferente do luto na idade adulta.
Sabemos que o luto é individual, mas o tempo no processo de luto infantil é diferente. Além disso, devemos levar em conta o seu desenvolvimento cognitivo e suas experiências anteriores de perdas. Para as crianças menores, a ausência contínua da pessoa amada pode ser o disparador do processo.
Luto na infância: como a morte é compreendida nos diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo e psicológico.
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Antes da aquisição da linguagem, a morte é percebida como ausência e falta. Experiência de dormir e acordar. Reações físicas e comportamentais.
Entre 2 e 7 anos de idade.
Nessa faixa etária, a morte é compreendida como temporária e reversível e fica associada à ideia de sono. A criança desenvolve a tendência a personificar a morte e acreditar que pode evitá-la e evocá-la com seus desejos (“vó morreu porque briguei com ela”). O pensamento é mágico e egocêntrico, ou seja, entendem a linguagem de modo literal e concreto.
Entre 7 e 10 anos de idade.
As crianças começam a compreender a morte de forma mais abstrata. Nesta fase ocorre a diminuição do egocentrismo e do pensamento mágico e elas já distinguem entre seres animados e inanimados, entendem a causalidade da morte e a sua irreversibilidade, tornando-se mais curiosos a respeito dos rituais de funeral.
Após 10 anos de idade.
Nesta faixa etária a criança já possui o pensamento causal e funcional, já reconhece a irreversibilidade e a universalidade.
Enfrentar o luto na infância: Como dar notícia de morte para a criança?
Ao dar a notícia de que alguém faleceu, leve em conta alguns cuidados:
- Escolha alguém próximo da criança, e que esteja em melhores condições emocionais para lhe dar a notícia.
- Coloque-a nos braços, aproxime-se dela fisicamente neste momento.
- Utilize a palavra morte e evite substituições como: “dormiu”, “viajou”, “partiu”, “foi embora”. Estas palavras podem confundir a criança que ainda leva tudo ao pé da letra.
- Evite detalhar a causa da morte, especialmente em caso de violência.
- Deixe a criança à vontade para perguntar o que quiser sobre o assunto.
Como as crianças em luto reagem após a notícia da morte?
Apesar de reagir às situações de perda de forma diferente do adulto, a criança também vive a saudade da pessoa que perdeu. Muitos adultos pensam que as crianças não sentem a perda, mas estão enganados quanto a isso.
Crianças em luto enfrentam diversos sentimentos como saudade, raiva, medo, tristeza e culpa.
Luto na infância e a saudade de quem partiu.
Quanto menor for a criança, menos condições ela terá de entender racionalmente a morte e por isso costuma demorar um pouco para reagir à perda de alguém querido. Somente com o passar do tempo é que a ausência da pessoa vai sendo sentida de forma intensa pela criança e ela poderá entender o significado da palavra “saudades”.
Crianças em luto podem sentir raiva do ente querido que faleceu.
É comum a criança acreditar que a pessoa que morreu a abandonou e pode sentir muita raiva por isso, tornando-se mais agressiva por um tempo. Algumas se sentem culpadas, imaginando que fizeram alguma coisa errada e, por causa disso é que a pessoa morreu. Elas costumam arrumar soluções mágicas para evitar esta dor. Não é raro ouvirmos a criança dizer que vai para o céu buscar quem faleceu.
Além de muitas dúvidas e perguntas, enfrentar o luto na infância gera medo na maioria das crianças.
Geralmente a criança passa a ter medo de perder outras pessoas que ama e fica mais apegada a elas; não quer se separar nem para ir à escola ou à casa de um amiguinho. Esse comportamento não é permanente, diminuirá com o tempo, mas os familiares devem ter paciência e compreender o que está acontecendo.
É muito importante também que a criança tenha espaço para falar das coisas que sente e pensa sobre o acontecido. Neste sentido, a família pode ajudar muito criando oportunidades para que o assunto possa ser conversado.
Luto e infância: devo levar a criança ao velório?
As crianças podem ir ao velório, mas devem ser consultadas a respeito disso. Devemos lembrar que elas não sabem ao certo o que acontece num velório e, por isso, é preciso que o adulto esclareça sobre o que poderá ocorrer nesse lugar. É importante dizer, com palavras simples, que o corpo da pessoa que morreu fica numa caixa especial, por um tempo, para que as pessoas possam vê-lo, mais uma vez, antes de ser enterrado. Também é importante avisá-la que haverá gente chorando, pois estão tristes com o fato. É bom lembrá-la de que a pessoa que morreu não sente mais dor, frio ou qualquer desconforto. Após a explicação, pergunte se ela deseja ir ao velório, e só a leve em caso afirmativo; não a obrigue a ir em hipótese alguma, mas também não lhe negue o direito de participar do ritual.
Ao enfrentar o luto, devo evitar chorar na frente da criança?
Quando se trata de morte, não há motivo para esconder a tristeza, e não há mal algum em que a criança veja os familiares chorando e abalados pela perda de alguém querido.
Além disso, permitir-se viver a tristeza da morte e chorar servirá como exemplo para que a criança também expresse sua dor, e seu luto se torne menos pesado e solitário.
Assim como falamos às crianças sobre a vida, falamos também sobre a morte. Falar de morte não é agradável, mas é necessário, pois ninguém está livre de viver situações de luto envolvendo crianças.
Este texto foi desenvolvido pelo Centro de Psicologia Maiêutica em colaboração com o Grupo Cerejeiras.